tudo passa

O NOVO velho preconceito

( O Brasil que odeia o próprio Brasil )

Por Rafael Rocha em 11/12/2023 às 10:33:21


Somos um país de superlativos. Nossa tropicalidade, nossa ancestralidade, nossa dimensão territorial, enfim, tudo que envolve o Brasil é macro.


Somos um país dividido geograficamente em cinco macro regiões, onde ao longo da nossa história as desigualdades regionais foram se intensificando até chegar ao ponto em que mais que diferenças, tornaram-se preconceito, xenofobia e racismo estrutural.


Ancorado no discurso de ódio desenvolvido ao logo de séculos o Nordeste do Brasil vem sendo colocado em posição subalterna e discriminatória.


O preconceito começa com a própria definição de nordestino, que tem a ver com a formação da intelectualidade paulista nos anos de 1920, que estabelecia São Paulo como a "locomotiva" do Brasil e as outras regiões como "vagões" a serem carregados pelo desenvolvimento paulista. A reação veio com Gilberto Freyre, a partir de Recife, e a definição do Nordeste como o "berço da nacionalidade". De qualquer maneira, o Nordeste passou a ser definido como uma área pobre, agrícola, seca e mestiça. É, obviamente, uma definição inteiramente arbitrária, mas que se firmou na cultura brasileira, tanto que hoje falamos de "cultura nordestina" como se fosse um dado, uma coisa imemorial.


O discurso de ódio continua a se alimenta de preconceitos já enraizados no imaginário das pessoas. A discriminação contra os nordestinos é uma das manifestações desse preconceito e a gente percebe que em períodos eleitorais funcionam como um gatilho. Isso é resultado da divisão política do país. Os nordestinos acabam sendo alvo de ataques porque o país tem realidades muito diferentes e isso se reflete nos resultados das urnas quando a gente ver quais candidatos tiveram mais votos no nordeste e no sudeste.


Esse imaginário do Nordeste como região de seca, fome, retirantes, coronelismo e messianismo foi amplamente difundido pela imprensa do Sul do país. Esses elementos estão vivos até hoje.


Os estereótipos difundidos na ocasião tratavam o Nordeste como uma região "de coronelismo", "de gente preguiçosa" e que "merece seca" e "não sabe votar". Além de demostrar desconhecimento sobre a cultura e a potencialidade da região, todos têm origens anteriores às eleições em si.


Mas como se combate a xenofobia contra os nordestinos? O primeiro aspecto é atualizar o imaginário sobre o Nordeste, que também é polo de desenvolvimento científico, tecnológico, comercial e cultural. As políticas de combate à pobreza na região desde 1988 ajudaram a mudar o cenário, porque todo estereótipo tem um fundo material. Porém, é preciso reforçar na educação que o Nordeste não é dos cangaceiros e coronéis. E mesmo aquele nordeste antigo, naquele contexto histórico, era considerado moderno, basta ter um mínimo de conhecimento ligado às ciências sociais para perceber isso.


A própria concepção da palavra nordestino, que me parece uma generalização pouco adequada para retratar a população de uma região com 1.5 milhão de KM², ou seja, maior do que qualquer país europeu, a exceção da Rússia, e que são divididos em 9 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e que, sob praticamente qualquer aspecto que se queira tratar, apresentam uma gigantesca diversidade.


É bom lembrar, que uma parcela significativa das pessoas que residem, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, nasceram ou são descendentes de nordestinos.


Neste sentido, chamo a atenção para a construção social de uma visão hegemônica sobre o Nordeste e sua população, na qual destaco o papel dos meios de comunicação, notadamente sediados na região Sudeste e dos intelectuais sudestinos.


Tanto os meios de comunicação, como os intelectuais, construíram e propagaram ao longo dos anos uma visão do Nordeste associada a miséria e pobreza, como se pobres e miseráveis não existissem nas outras regiões do país.


Tal visão, generalizava a região Nordeste, como se toda a região fosse um gigantesco sertão e caatinga, marcada pela falta de água e alimentos, com pessoas e animais esqueléticos. Esta imagem do Nordeste, foi eternizada na obra "Os Retirantes" do pintor sudestino Cândido Portinari.


Durante a década de 1930, a população local do Sudeste e autoridades públicas podem ter passado a enxergar os migrantes de forma negativa, pelo menos no que tocava a segurança pública, pois foi a partir daquela década que a figura do cangaceiro (Lampião) começava a aparecer na literatura de forma romantizada, como no livro "Os Cangaceiros" de José Lins do Rego.


Dessa leitura de comportamento do homem do Nordeste bruto, viril e quase alheio a sentimentos é que se constrói (ou se reforça) a imagem do Nordestino como um ser violento.


Já pensaram se ao invés desta versão do Nordeste, tivéssemos uma outra, na qual fosse destacado as suas cores, a diversidade populacional, a alimentação (carne de sol, peixes, frutos do mar, azeite de dendê, leite de côco, Maria Isabel, cuscuz, paçoca, capote, macaxeira, só para citar alguns exemplos), as praias, as centenas de pontos turísticos, os sítios arqueológicos e as inúmeras manifestações culturais. Também seria possível falar dos fantásticos resultados que os estudantes e docentes nordestinos têm conquistado em nosso país e que são corroborados nas diversas avaliações educacionais, nas várias olimpíadas escolares e no significativo ingresso nos cursos superiores, em universidades de renome, tanto no Brasil, como no exterior.


Penso que este seja um importante indício que devemos levar em consideração para compreender o processo de discriminação e preconceito contra os nordestinos. O sucesso que este grupo vêm obtendo em diferentes campos, especialmente no campo educacional, pode estar diretamente relacionado aos ataques, sem qualquer tipo de fundamentação, que estão sofrendo, em especial no período eleitoral.


Tais ataques, sem nenhum tipo de fundamento objetivo, ocorre da parte de pessoas preconceituosas, racistas e xenofóbicas, que não se conformam em terem perdido o poder decisório que antes estava em suas mãos. Neste sentido, chamo a atenção para um período da história da nossa república, que ficou conhecido como "café com leite", e que evidência a influência de São Paulo e Minas Gerais, ( Concorda ZEMA ? ) na definição dos rumos políticos do país. Isto, apenas para citar um único exemplo.


A região Nordeste quebrou essa lógica de predomínio dos estados do Sudeste e do Sul da definição dos eleitos para a presidência da república. Além do ódio de classe, contra os mais pobres, agora convivemos com um tipo de preconceito motivado pelo exercício da cidadania.


Após estas eleições, nós, enquanto cidadãos temos muitos desafios, mas não podemos nos esquecer, de que um dos principais será o estabelecimento de um novo marco civilizatório, no qual o Brasil, as suas cores e bandeira, sejam partilhadas por todos os brasileiros e não apenas por um grupo que se julga no direito de se apropriar do país, como tem feito a pouco mais de cinco séculos.


Desconstruir esse olhar etnocêntrico do brasileiro para a própria população da qual ela faz parte, sem deixar de reconhecer as desigualdades socioeconômicas que nos assolam. Falta-nos empatia e alteridade, mas falta-nos também conhecimento de Brasil.

Por fim, concluo aqui minhas impressões, reafirmando meu grande orgulho de ser nordestino da GEMA!

Fonte: Rafael Rocha

CAMES
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