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Após perder filho para doença rara, mãe da Grande Curitiba vira referência pelo país

Por Mais Ceará em 28/02/2023 às 14:20:49
  • 1/3Foto: Arquivo Pessoal – Linda Franco/Colaboração Banda B
  • Linda Franco adrenoleucodistrofia2/3Gabriel, junto com seus irmãos, Sofia e Diego. Foto: Arquivo Pessoal – Linda Franco/Colaboração Banda B
  • Linda Franco adrenoleucodistrofia3/3Gabriel antes do avanço da adrenoleucodistrofia. Foto: Arquivo Pessoal – Linda Franco/Colaboração Banda B

Gabriel chegou lá e ainda andava, falava muito pouco, a linguagem era pouca. Meu filho ficava amarrado na cama porque era muito agitado para receber a medicação. Foram dias bem difíceis. Começou a ser medicado. Duas semanas depois, ele parou de andar, de falar e ficou acamado. Sofri, chorei muito. As informações eram escassas, mas eu abracei a causa.

Linda Franco.

O que é a adrenoleucodistrofia?

O mês de fevereiro é conhecido pela alusão social à questão das doenças raras. Diante da situação, a Banda B conversou com Mara Lúcia Schmitz para entender o que é a ADL. Segundo a médica, a incidência da doença é 1 para 16 mil meninos nascidos vivos e, hoje em dia, não é tão incomum. 

Resumidamente, conforme a especialista, a enfermidade pode ser compreendida da seguinte forma:

adreno – de adrenal, sendo uma glândula que fica em cima do rim; leuco – que significa “substância branca”. Nós temos no cérebro a substância branca-cinzenta /gosmenta. Então falamos da substância branca do cérebro; distrofia – que faz uma destruição.

A glândula, que fica em cima do rim, é responsável por emitir diversos hormônios que podem afetar a rotina de um indivíduo. De acordo com Mara, considerando os primeiros sintomas que aparecem na infância, as crianças começam a apresentar cansaço, com muita fadiga, e podem desenvolver quadros de depressão e convulsão. Além disso, a pele pode ficar mais escura, em um tom marrom bronzeado, mas diferente deste que você pega quando vai à praia, por conta do sol.

Em relação aos sintomas provocados pelo cérebro, meninos pequenos que possuem a ADL ficam irritados, agressivos e desatentos; podem perder a visão e audição porque o sistema nervoso passa a ter dificuldade de “traduzir” a informação que recebe para estes órgãos. A doença evolui e faz a criança parar de andar, perdendo o equilíbrio.

A partir de então, é necessário fazer com que ele fique na cama. Os enfermos também perdem a habilidade de falar, de compreender, engolir e, até mesmo, respirar.

Então são sinais que a gente chama de atenção, de alerta, para meninos. (…) É torno dos seis, sete anos, que este menino começa a apresentar estes sintomas. Mas tem uma forma mais tardia, que pega adolescentes e adultos, que faz uma lesão na medula. Você tem o cérebro e a continuação dele na coluna é a medula. Então a gente chama a doença com outro nome: adrenomieloleucodistrofia, fazendo a destruição da medula. O menino, o adolescente, o homem, começa a ter dificuldade para andar, alterações de esfíncter, que altera a perda fecal, urinária, até que ele vai para uma cadeira de rodas.

Mara Lúcia Schmitz, neuropediatra e referência em doenças raras.

Existe tratamento?

De acordo com a neuropediatra, o principal tratamento para a adrenoleucodistrofia é o transplante de medula óssea. Se feito logo no início do diagnóstico da doença, a cirurgia pode levar o enfermo até a cura. Porém, caso a enfermidade esteja em um estágio avançado, a ação pode surtir pouco efeito.

Hospital Pequeno Príncipe
Vista aérea do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba. Foto: Divulgação

Em Curitiba, o HPP é habilitado desde 2016, pelo Ministério da Saúde, como Serviço de Referência em Doenças Raras, e se dedica ao tratamento de pacientes com esse diagnóstico há décadas. Por meio do Ambulatório de Doenças Raras, o hospital busca minimizar os impactos da evolução da doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.

Temos toda uma estrutura para isso, não só para esta doença. A estrutura do hospital fornece isto. Temos este espaço só de doenças raras desde 2007. A partir disso, passamos a ter um suporte melhor para atender estas crianças de maneira mais adequada, com exames mais precisos, de mais fácil acesso. É isso que o ambulatório proporciona e faz parte do HPP.

Mara Lúcia Schmitz, neuropediatra e referência em doenças raras.

Atualmente, mais de 30% dos transplantes de medula óssea realizados no HPP são em pacientes com doenças raras.

Óleo de Lorenzo?

Outro tratamento conhecido neste universo da ADL está voltado ao consumo de um óleo, que se tornou popularmente conhecido como “óleo de lorenzo”. O nome remete ao filme, que está disponível na plataforma de streaming Netflix, “O Óleo de Lorenzo”. 

Cena do filme “O Óleo de Lorenzo”, disponível na Netflix. Foto: Reprodução/Divulgação

Este drama, de 1992, conta a história de Lorenzo, um garoto que levava uma vida normal até os seis anos, momento em que foi diagnosticado com adrenoleucodistrofia. A partir de então, a trama retrata a realidade de uma família lidando com uma doença que, naquela época, não contava com informações suficientes entre a classe médica. Tudo para poder salvar a vida do menino.

Em certa medida, a história do filme “coincide” com a vida da neuropediatra, que realizou o seu 1º diagnóstico da ADL em 1993. Ao ser questionada sobre o uso do medicamento, a médica foi franca reconhecendo o avanço da ciência e que a melhor opção é o transplante de medula.

Naquela época o óleo era o máximo, a gente ficava super feliz. Depois a ciência foi provando algumas verdades. Algumas verdades, que não são verdades. Eu já usei muito isso [óleo], hoje eu não uso mais. Porque você pode usar, e ter algum benefício, quando é uma criança com pré-transplante, esperando o transplante, para ver se segura um pouco a doença, mas a gente acaba ficando intolerável. Às vezes, a criança não consegue tolerar o uso da medicação. Então, é por isso que a gente acaba não usando o óleo. Um frasco que custa de R$ 1 mil a R$ 2 mil. Um óleo que a criança precisa tomar de 20 a 30 ml por dia. Imagine você tomar um óleo, quando você não está bem? Mas, no desespero, as mães compram, mesmo que não tenham dinheiro. Ela vai lá, faz vaquinha, compra. A gente tenta explicar, mas entendemos a mãe que, na ânsia, angústia, de querer fazer algo pelo filho, já que se sente extremamente impotente com tudo, quer usar, quer fazer alguma coisa.

Mara Lúcia Schmitz, neuropediatra e referência em doenças raras.

O transplante, como já foi relatado, é o meio mais recomendado para tratar a ADL. No entanto, os efeitos de uma cirurgia podem levar semanas até que apareçam no corpo do menino enfermo.

A importância do transplante de medula – conheça Yara e Ycaro

Bastante conhecida no ramo social em que atua, Linda foi peça fundamental para o transplante de medula óssea de Ycaro Levi, filho de Yara Silva Nascimento. A família, que veio de Porto Seguro, cidade no sul da Bahia, conheceu a doença de perto. 

Em conversa com a Banda B, a irmã de Yara, Emilly Silva de Oliveira, detalhou a luta enfrentada antes de descobrir a ADL. A jovem contou que Jane da Costa Silva, mãe dela e de Yara, já perdeu dois filhos para a doença, Lucas e Fabiano.

  • adrenoleucodistrofia1/3Lucas Silva Rodrigues morreu aos 12 anos por conta da adrenoleucodistrofia. Foto: Arquivo Pessoal – Emilly Silva de Oliveira/Colaboração Banda B
  • adrenoleucodistrofia2/3Fabiano da Costa Silva morreu aos 17 anos por conta da adrenoleucodistrofia. Foto: Arquivo Pessoal – Emilly Silva de Oliveira/Colaboração Banda B
  • adrenoleucodistrofia3/3Ycaro Levi em tratamento no Hospital Pequeno Princípe, em Curitiba. Foto: Arquivo Pessoal – Emilly Silva de Oliveira/Colaboração Banda B

Lucas Silva Rodrigues começou a perder os movimentos em 2011 e, um ano após os primeiros sintomas, com 12 anos, morreu. Fabiano da Costa Silva, por outro lado, apresentou os primeiros sinais da ADL mais tarde, com 14 anos. Intrigada com a situação, a família conseguiu realizar um exame em São Paulo. Foi nessa viagem que elas ouviram o nome de Linda Franco pela primeira vez. Em uma busca rápida pelo Facebook, Emily descobriu quem era a ativista e se identificou com a história da mãe de Gabriel.

Após Emily fazer o primeiro contato e contar sua experiência, Linda ajudou Fabiano com a doação de cinco garrafas de óleo de lorenzo. Apesar disso, Fabiano também não resistiu e morreu com 17 anos, em abril de 2017.

Fabiano passou 3 anos lutando pela vida. Ele perdeu os movimentos das pernas e braços, comia por sonda, não enxergava e não escutava de um ouvido.

Emilly Silva de Oliveira, tia de Ycaro.

Além disso, a irmã de Fabiano afirmou que ele não podia ficar mais de uma hora em uma posição na cama que logo “criava bolha no corpo”.

Emily também explicou que “quando os sintomas começam, é tarde”. E ainda detalhou que a ADL não é dolorosa só para quem está cuidando, mas principalmente para quem tem a doença.

É tarde para transplante, para correr atrás. E é muito doloroso. Não é doloroso só para quem tá cuidando, mas principalmente para quem tem a doença. Quando eu ouvi a história da Linda e do filho dela, pensei que isso não acontece só na minha família. As pessoas deveriam acordar um pouquinho para vida, enquanto ainda há tempo.

Emilly Silva de Oliveira, tia de Ycaro.

O transplante de Ycaro Levi

Ycaro, de apenas 4 anos, não chegou a apresentar sintomas. A doença foi descoberta por um exame genético, que identificou o gene na mãe e, em junho de 2022, ele foi encaminhado ao HPP, onde deu início ao tratamento.

  • adrenoleucodistrofia1/2Ycaro Levi e a equipe médica do Pequeno Príncipe após o menino receber alta. Foto: Arquivo Pessoal – Emilly Silva de Oliveira/Colaboração Banda B
  • adrenoleucodistrofia2/2Ycaro Levi e a equipe médica do Pequeno Príncipe após o menino receber alta. Foto: Arquivo Pessoal – Emilly Silva de Oliveira/Colaboração Banda B

Em novembro de 2022, Ycaro conseguiu o transplante. O pai do menino era doador compatível. Embora Ycaro não tivesse sintomas, mas o gene da doença, foi preciso realizar o transplante antes que a situação se tornasse complicada. 

Atualmente, Yara ainda está em Curitiba com o filho. Nesta semana, veio a notícia positiva para todos da família: Ycaro recebeu alta do hospital. Após nova sequência de exames, que não apontaram alterações significativas com o quadro clínico do menino, a equipe médica do HPP permitiu que ele fosse liberado.

Para falar a verdade, foi uma notícia excelente. Ele estava meio "tristinho" porque ficava dentro do hospital, já tinha 103 dias que estava internado. Ficar todo dia naquele mesmo lugar, no mesmo quarto. Então, até para ele mesmo, foi uma ótima notícia. Ycaro sempre foi um menino muito elétrico, muito agitado. Aí ele ficou muito empolgado.

Emilly Silva de Oliveira, tia de Ycaro.

Mesmo com a situação, Ycaro ainda permanecerá na capital paranaense por alguns dias, na casa de apoio Associação Família de Maria. O objetivo é fazer com que ele tenha um processo de readaptação à vida normal de uma criança. Emily, novamente, fez menção à Linda por conta do trabalho feito pela ativista em prol da vida do menino de quatro anos.

A gente vai ver como será a rotina dele fora do hospital, se não haverá alterações ou outro problema. A casa de apoio fica bem mais perto do PP, se comparado com a Bahia, no sentido de acontecer algum problema e ele precise voltar. Após isto, se Deus permitir, em nome de Jesus, dará tudo certo, ele volta para casa. Então a gente só tem que agradecer e comemorar. Agradecemos a Deus por nos conceder a dádiva de poder deixá-lo "viver a vida" de volta. De um milagre.

Emilly Silva de Oliveira, tia de Ycaro.

Morte de Gabriel deixou um legado

Linda e Gabriel moraram no Hospital Pequeno Príncipe durante 3 anos. Já no final da vida do garoto, Linda acionou a Justiça para garantir o direito ao homecare [UTI domiciliar]. Durante esse período, Gabriel ficou sob os cuidados de sete profissionais da saúde em sua própria casa.

Gabriel morreu enquanto Linda saiu para o primeiro dia de aula na faculdade. A mãe decidiu seguir o curso superior justamente para estudar a fim de seguir no ramo social.

  • adrenoleucodistrofia Linda Franco1/2Gabriel após avanço da adrenoleucodistrofia. Foto: Arquivo Pessoal – Linda Franco/Colaboração Banda B
  • adrenoleucodistrofia Linda Franco2/2Gabriel após avanço da adrenoleucodistrofia. Foto: Arquivo Pessoal – Linda Franco/Colaboração Banda B

Atualmente, Linda é fundadora do Movimento Família ADL Brasil, graduada em Gestão das Organizações do Terceiro Setor, representante da Aliança Paranaense de Doenças e Síndromes Raras, trabalha no Instituto Berbigier e é co-fundadora do Grupo Assistencial Troca-Troca entre Mães Especiais.

No fim, para a fundadora do Movimento Família ADL Brasil, o filho apenas descansou de todo o sofrimento que viveu durante 8 anos, mas permitiu algo muito maior e simbólico: um legado.

Hoje eu sou esta ponte entre as famílias. Tanto para orientar, como para acolher novas mães que chegam. Eu faço este papel de orientar, de acolher e de tentar trazer o menino, quando dá tempo, para o transplante de medula óssea. Então, abracei a causa. Se for uma doença diagnosticada no início, bem no início, dá tempo de fazer o transplante e possibilitar a criança ter quase que 100% da vida normal. Então é chance de tratamento. Também abracei a causa social já que morei três anos em um hospital, me deparando com famílias que tinham menos do que eu. E eu já não tinha nada. Em casa, eu recebia as coisas do Gabriel, depois que dei entrada na saúde. Como Gabriel ficava internado, foi o que me permitiu fazer este trabalho social gigantesco. As famílias se ajudam. É uma corrente do bem, que está em quase todos os estados do Brasil.

Entre janeiro e fevereiro, pelo menos quatro mães entraram em contato com Linda Franco para falar com ela sobre a doença.

Fevereiro Lilás, adrenoleucodistrofia e Linda Franco

Por histórias como as famílias de Linda Franco, Jane e Yara é que o Fevereiro Lilás se faz necessário no meio social. Dessa forma, a ativista continua lutando pela vida de meninos com o diagnóstico de adrenoleucodistrofia. A mãe de Gabriel segue falando abertamente da sua história, dando palestras e reunindo mães que colaboram com a batalha. 

Em trabalho voluntário, Linda Franco realiza arrecadações para ajudar famílias raras, como doações de fralda geriátrica e lenço umedecido. Para ajudar, basta entrar em contato com a ativista por meio do e-mail [email protected].

Fonte: Banda B

Tags:   Saúde
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